Como a indústria do cânhamo poderia ajudar o semi-árido brasileiro?
Atualizado: 12 de dez. de 2018

O Sertão Brasileiro é a região do país com o menor índice pluviométrico, onde a escassez de água não apenas é um fator limitante do desenvolvimento econômico, mas influência na qualidade de vida de muitas pessoas e em todos os aspectos de um grande número de comunidades. Com um conjunto de características naturais específicas, o Sertão é uma habitat cuja região total ocupa boa parte da área de 8 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), além de uma parte da região norte de Minas Gerais. No Sertão há uma área denominada oficialmente de Polígono das Secas, onde as características do clima árido são ainda mais intensas, a vida mais dura e a adaptação se torna fundamental para sobrevivência. Nessa região sempre foi difícil a produção agrícola ou pecuária e, com o passar dos anos, para garantir a sobrevivência, muitos camponeses se viram forçados a se envolver com o cultivo ilícito de maconha. Após a proibição da erva, em 1932, quando o cultivo e comércio passou a ser considerado ilegal, sendo cada vez mais reprimido e perseguido, o preço da maconha subiu e a erva virou objeto de negócio para criminosos, que viram uma oportunidade de explorar o cultivo tradicional já realizado por muitas famílias de camponeses na região. Tais famílias passaram a ser assediadas e exploradas por grupos criminosos, pratica que ocorre ainda atualmente, tanto que alguns estudos apontam que cerca de 40% da maconha consumida no Brasil seja oriunda do Polígono.

Maconha – uma planta medicinal

A maconha é cultivada por diferentes civilizações humanas há mais de 12.000 anos, para variadas finalidades e só no início do século XX ela foi proibida por alguns países e em 1961 mundialmente. Ao longo dos milênios, enquanto era semeada por diferentes grupos em todo o mundo, ela foi se modificando, explorando suas potencialidades genéticas, se adaptando aos mais variados climas, ao mesmo tempo que era selecionada de acordo com o uso ao qual serviria. Hoje ela possui inúmeras variedades, cada uma com suas características específicas seja na estrutura geral da planta, no formato e tamanho das folhas, altura e diâmetro do tronco, estrutura das flores, ou composição bioquímica da resina medicinal. A resina da erva, produzida em maior quantidade nas flores das plantas fêmeas, é a parte onde estão os princípios ativos medicinais, os chamados fitocanabinóides.

Nas últimas décadas inúmeros cientistas e pesquisadores, em diferentes países, tem realizado variados tipos de estudos e resgatado o valor medicinal da maconha, concordando que a resina extraída ou produtos medicinais à base da erva são comprovadamente eficazes para tratar doenças e aliviar sintomas variados, entre os quais: AIDS, anemia falciforme, anorexia, ansiedade, artrite, ataxia, câncer de diferentes tipos, dependência por drogas, desordens digestivas, doença de crohn, distonia, dores crônicas, enxaqueca, cólicas, epilepsias, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, espasticidade, glaucoma, reumatismo, dentre outras. Isso tem gerado um movimento mundial que, em diferentes países, resultou na legalização e regulamentação do cultivo, produção, comércio e distribuição de medicamentos à base de maconha e seus extratos naturais para uso medicinal e na proliferação de novos estudos e pesquisas.
Cânhamo – a maconha sem THC

São mais de 100 fitocanabinóides conhecidos, sendo que muitos deles têm propriedades medicinais, dos quais apenas o THC é considerado como tendo efeito colateral capaz de provocar psicoatividade (ou seja, não tem efeito mental). Algumas variedades de maconha têm como característica uma resina com maior proporção de THC do que de outros fitocanabinóides e são esses os tipos de plantas cultivadas para serem usadas como droga recreativa, decido ao efeito colateral psicoativo. São esses também os tipos de erva mais conhecidas, já que, em consequência da proibição, são também as mais presentes na mídia e no conhecimento popular sobre o tema. Porém, não são as únicas com propriedades medicinais e algumas linhagens de cannabis têm inclusive baixas taxas de THC, ao mesmo tempo que possuem grandes quantidades de outros fitocanabinóides, incluindo CBD, ou canabidiol, reclassificado para uso medicinal pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no início deste ano.

Cânhamo é o nome dado à maconha quando ela é cultivada principalmente para finalidades industriais com o objetivo de utilização do tronco para obtenção de suas fibras e polpa, ou de suas sementes e do óleo extraído delas. Segundo um relatório publicado em fevereiro de 2015 pela Congressional Research Service, entidade de cunho técnico-científico responsável por orientar o Congresso dos EUA e a Casa Branca na tomada de decisões políticas, atualmente são mais de 25.000 produtos que podem ser feitos utilizando como matéria-prima o cânhamo, separados em 9 tipos de mercado: agricultura, têxteis, reciclagem, automotivo; movéis, alimentíficia (bebidas e comidas), papéis, construção civil e cuidados pessoais/medicamentos. As linhagens de cânhamo são selecionadas especialmente para terem muita fibra e produzirem de 0,3 a 1% de THC no máximo, variando de acordo com a lei de cada país.


Ainda segundo o relatório, atualmente são cerca de 30 países onde o uso industrial da cannabis não-psicoativa é legalizado, sendo que alguns deles jamais criminalizaram esse mercado, sendo a China disparada o maior produtor. O documento afirma ainda que é difícil estimar o tamanho e lucratividade do mercado global, mas a Associação das Industrias do Cânhamo (Hemp Industries Association – HIA) afirmava que só em 2013 foram 581 milhões em produtos de cânhamo consumidos somente nos EUA, entre produção nacional e importação, revelando o potencial econômico que esse mercado pode alcançar.
Produção para fibras e sementes X Produção para flores e resina